domingo, 29 de novembro de 2009

92% dos alemães orientais preferem o comunismo no país

Para marcar a data da queda do Muro de Berlim, o Der Spiegel fez uma pesquisa, divulgada neste sábado (10), com mil alemães que cresceram nos dois lados do país dividido até 9 de novembro de 1989. A conclusão, para desespero do semanário alemã

Junto com a TNS Forschung, o Spiegel fez a pesquisa com duas gerações distintas de alemães orientais e ocidentais com o objetivo de obter um retrato dos resultados da unificação na psique nacional. A conclusão é que o muro ideológico ainda permanece nas mentes alemãs, quase duas décadas após a reunificação.

Foram entrevistadas 500 jovens na faixa etária de 14 a 24 anos e seus 500 pais na faixa de 35 a 50 anos. A primeira, tinha no máximo seis anos quando o muro caiu e, evidentemente, possui uma experiência temporal menor do período em que o país estava dividido pela Guerra Fria.

Já a segunda geração tinha pelo menos 17 anos, e no máximo 32, quando ocorreu a debacle do muro. O método da pesquisa constatou que praticamente não há diferenças entre as gerações mais jovens e mais velhas na sua forma de pensar a reunificação.

Socialismo, uma boa idéia

As maiores diferenças na pesquisa aparecem quando os entrevistados orientais e ocidentais compartilham suas opiniões sobre a vida na antiga Alemanha Oriental. O Estado comunista recebe notas muito mais altas dos que moram no Leste com relação aos que moram no Oeste.

Dos alemães orientais de 35 a 50 anos, 92% acreditam que um dos maiores atributos da antiga Alemanha Oriental foi sua rede de segurança social; 47% dos jovens no Leste também pensam assim. No item ''padrão de vida'', os jovens do Leste avaliam a Alemanha comunista de maneira ainda mais positiva que seus país.

Por outro lado, apenas 26% dos jovens ocidentais e 48% dos seus pais expressaram a opinião que a Alemanha Oriental tinha um sistema mais forte de bem estar social comparado com o de hoje.

Os alemães orientais também estão menos satisfeitos e menos otimistas com sua situação do que os que vivem nos Estados que compunham a antiga Alemanha Ocidental. Eles estão muito menos convencidos das virtudes do capitalismo do que seus colegas ocidentais. Muitos acreditam que o socialismo é uma boa idéia que simplesmente não foi bem implementada no passado.

Contudo, apesar da nostalgia pela Alemanha Oriental, a maior parte dos alemães orientais diz que preferiria morar no Oeste, caso um novo Muro de Berlim fosse construído hoje. O que não é de todo contraditório, já que durante a Guerra Fria, com o apoio de todo tipo dos EUA ao Oeste, e também todo tipo de boicote ao Leste, a Alemanha Ocidental oferecia muito mais riqueza, ainda que com alguma desigualdade, do que a Oriental.

Identidades diferentes

Os dados da pesquisa revelam que as diferenças ideológicas se refletem na identidade de cada grupo, já que 67% dos jovens alemães, e 82% de seus pais, orientais e ocidentais não sentem que possuem as mesmas identidades.

Quanto tempo, entretanto, levará para a Alemanha se unificar ideologicamente? Para 25% dos jovens alemães ocidentais, e só 5% dos orientais, ''não levará mais do que cinco outros anos''. Apenas 12% e 4%, respectivamente, de pais concordaram com os filhos.

Muitos jovens alemães orientais vêem a Alemanha de hoje como um lugar onde seus pais têm dificuldades para encontrar um caminho. Apesar da geração mais nova praticamente não ter vivenciado a vida sob o socialismo, o compartilhar das lembranças, opiniões e histórias de seus pais naturalmente os influênciam.

Jovens pensam como seus pais

Esta talvez seja a explicação - que os comentários do Spieguel tentam manipular a favor do Oeste - para que os jovens alemães do Leste vejam a antiga Alemanha Oriental sob uma luz mais otimista do que seus compatriotas no Oeste, e vice-versa.

''É uma opinião [as dos jovens da Alemanha Oriental] de lentes cor-de-rosa, que vê uma Alemanha Oriental com emprego para todos, creches para todas as crianças e um sistema de bem estar social que acompanhava o cidadão do berço ao túmulo. É claro, essa geração não foi exposta aos aspectos negativos da vida sob o domínio comunista - como filas de comida e repressão da polícia'', argumenta o Spiguel.

Porém, a pesquisa indica que o mesmo argumento de ''lentes cor-de-rosa'' para desqualificar a opinião dos jovens do Leste, sobre a Alemanha Oriental, também serve aos jovens do Oeste, com relação a Alemanha Ocidental, com pelo menos um ponto de vantagem para os primeiros. Quem viveu a Alemanha comunista agora está vivendo a capitalista, enquanto que o inverso não foi possível.

Tiro no pé

Como toda manipulação não se sustenta por muito tempo, o próprio Spiguelé obrigado a admitir a realidade, um verdadeiro tiro no pé, no último parágrafo da matéria que noticiou a pesquisa neste sábado.

''Ainda assim, os sentimentos positivos para certos aspectos da antiga Alemanha Oriental continuam altos. Dos jovens alemães orientais entrevistados, 60% disseram que achavam ruim que nada tivesse restado das coisas que se podiam orgulhar da Alemanha Oriental''.

Os resultados da pesquisa fazem lembrar o seriado alemão que - devido ao imenso sucesso no país - virou filme lançado em 2003, chamado Adeus, Lênin!, do diretor alemão Wolfgang Becker.

''Adeus, Lênin!''

No longa, Christiane Becker (Kathrin Sa), que mora na então Alemanha comunista, é abandonada pelo marido, tendo que criar seus dois filhos, Alexander (Daniel Brühl) e Ariane (Maria Simon), sozinha.

Uma vez recuperada do trauma da separação, Christiane torna-se uma cidadã ativa e exemplar, transformando o país em um substituto de seu marido, abraçando assim, o ideal comunista.

Mas ao ver Alexander participando de uma revolta anti-socialista, ela fica gravemente doente e acaba entrando num longo coma que a faz dormir durante a queda do Muro de Berlim e a adaptação ao capitalismo de sua Alemanha Oriental.

Ela acorda do coma, mas frágil demais para se deparar com o choque das mudanças do mundo ao seu redor. Comovido, Alexander precisa forjar a vitória da ideologia do comunismo e sapatear para criar a ilusão na mãe de que nada mudou.

Socialismo vivo

Quatro anos após o lançamento do filme, que teve como pano de fundo o dilema da reunificação sob a égide capitalita com o fim da Guerra Fria, a pesquisa reafirma que o ideal comunista não morrerá tão cedo nos corações dos alemães que viveram as primeiras experiências mais duradouras do regime no mundo.

A manifestação com 50 mil pessoas pessoas em Moscou (Rússia), no último dia 7 de novembro, por ocasião das comemorações dos 90 anos da Revolução Russa, é apenas mais uma fotagrafia do quanto por lá esse sentimento continua extremamente vivo.


segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Trabalho morto: Marx e Lenine reconsiderados

por Paul Craig Roberts [*]

"O capital é trabalho morto, o qual, como um vampiro, vive apenas para sugar o trabalho vivo, e quanto mais sobreviver, mais trabalho sugará".
--Karl Marx

Se Karl Marx e V. I. Lenine hoje estivessem vivos, seriam os principais candidatos ao Prémio Nobel de Ciência Económica.

Marx previu a miséria crescente dos trabalhadores e Lenine previu a subordinação da produção de bens à acumulação de lucros do capital financeiro com a compra e venda de instrumentos de papel. As suas previsões são de longe superiores aos "modelos de risco" aos quais tem sido atribuído o Prémio Nobel e estão mais próximos da moeda do que as previsões do presidente do Federal Reserve, de secretários do Tesouro dos EUA e de economistas nobelizados tais como Paul Krugman, o qual acredita que mais crédito e mais dívida são a solução para a crise económica.

Na primeira década do século XXI não houve qualquer aumento no rendimento real dos trabalhadores americanos. Houve sim um declínio agudo na sua riqueza. No século XXI os americanos sofreram dois grandes crashes no mercado de acções e a destruição da sua riqueza imobiliária.

Alguns estudos concluíram que os rendimentos reais dos americanos, excepto para a oligarquia financeira dos super ricos, são menores hoje do que na década de 1980 e mesmo da de 1970. Não examinei estes estudos de rendimento familiar para determinar se eles foram enviesados pelo aumento nos divórcios e pela percentagem de famílias monoparentais. Contudo, durante a última década é claro que o salário líquido real declinou.

A causa principal deste declínio é a deslocalização (offshoring) de empregos americanos de alto valor acrescentado. Tanto empregos na manufactura como em serviços profissionais, tais como engenharia de software e trabalho com tecnologia de informação, foram relocalizados em países com forças de trabalho grandes e baratas.

A aniquilação de empregos classe média foi disfarçada pelo crescimento na dívida do consumidor. Quando os rendimentos dos americanos cessaram de crescer, a dívida do consumidor expandiu-se para substituir o crescimento do rendimento e manter a procura do consumir em ascensão. Ao contrário de aumentos nos rendimentos do consumidor devidos ao crescimento da produtividade, há um limite para a expansão do endividamento. Quando aquele limite é atingido, a economia cessa de crescer.

A pauperização dos trabalhadores não resultou do agravamento de crises de super-produção de bens e serviços mas sim do poder do capital financeiro para forçar a relocalização da produção para mercados internos em terras estrangeiras. As pressões da Wall Street, incluindo pressões de tomadas de controle (takeovers),forçaram firmas manufactureiras americanas a "aumentar os rendimentos dos accionistas". Isto foi feito pela substituição de trabalho americano por trabalho barato estrangeiro.

Corporações deslocalizadas ou que passam a encomendar fora a sua produção manufactureira, divorciando portanto os rendimentos dos americanos da produção dos bens que eles consomem. O passo seguinte no processo aproveitou-se da alta velocidade da Internet para mover empregos em serviços profissionais, tais como engenharia, para fora. O terceiro passo foi substituir o resto da força de trabalho interna por estrangeiros trazidos para cá a um terço do salário com o H-1B [1] , L-1 [2]e outros vistos de trabalho.

Este processo pelo qual o capital financeiro destruiu as perspectivas de emprego de americanos foi endossado pelo economistas do "livre mercado", os quais receberam privilégios pela deslocalização de firmas em troca da propaganda de que os americanos beneficiar-se-ia com uma "Nova Economia" baseada em serviços financeiros, e pelos seus sócios no negócio da educação, os quais justificavam vistos de trabalho para estrangeiros com base na mentira de que a América produz poucos engenheiros e cientistas.

Nos dias de Marx, a religião era o ópio das massas. Hoje são os media. Basta ver a informação dos media que facilita a capacidade da oligarquia financeira de iludir o povo.

A oligarquia financeira está a anunciar uma recuperação enquanto o desemprego americano e os arrestos de lares estão em aumento. Este anúncio deve a sua credibilidade às altas posições de onde vêem, aos problemas de informação sobre folhas de pagamento que exageram o emprego e à eliminação para dentro do buraco da memória de qualquer americano desempregado durante mais de um ano.

Chart of U.S. UnemploymentEm 2 de Outubro o estatístico John William do www.shadowstats.com/ informou que o Bureau of Labor Statistics havia anunciado uma revisão da sua estimativa preliminar do indicador anual do emprego em 2009. O BLS descobriu que o emprego em 2009 fora super-declarado em cerca de um 1 milhão de postos de trabalho. John Williams acredita que a diferença foi realmente de dois milhões de postos de trabalho. Ele informa que "o modelo nascimento-morte actualmente acrescenta [um ilusório] ganho líquido de cerca de 900 mil empregos por ano à informação sobre emprego".

O número de empregos nas folhas de pagamentos não agrícolas é sempre a manchete da informação. Contudo, Williams acredita que o inquérito às famílias de desempregados é estatisticamente mais correcto do que o inquérito às folhas de pagamento. O BLS nunca foi capaz de reconciliar a diferença nos números nos dois inquéritos ao emprego. Na sexta-feira passada, o número de empregos perdidos apresentado nas manchetes era de 263 mil para o mês de Setembro. Contudo, o número no inquérito às famílias era de 785 mil empregos perdidos no mês de Setembro.

A manchete da taxa de desemprego de 9,8% é uma medida reduzida ao essencial que em grande medida subdeclara o desemprego. As agências de informação do governo sabem disto e relatam outro número de desempregados, conhecido como U-6. Esta medida do desemprego nos EUA fixava-se nos 17% em Setembro de 2009.

Quando os trabalhadores desencorajados pelo desemprego a longo prazo são acrescentados outra vez ao total dos desempregados, a taxa de desemprego em Setembro de 2009 eleva-se a 21,4%.

O desemprego de cidadãos americanos poderia realmente ser ainda mais alto. Quando a Microsoft ou alguma outra firma substitui milhares de trabalhadores americanos por estrangeiros com vistos H-1B, a Microsoft não relata um declínio de empregados na folha de pagamento. No entanto, vários milhares de americanos ficam então sem empregos. Multiplique isto pelo número de firmas dos EUA que estão apoiar-se em companhias estrangeiras fornecedoras de mão-de-obra para tecnologia de informação ("body shops") para substituir a sua força de trabalho americana com trabalho barato estrangeiro ano após ano e o resultado são centenas de milhares de desempregados americanos não relatados.

Obviamente, com mais de um quinto da força de trabalho americana desempregada e os remanescentes enterrados em hipotecas e dívidas de cartões de crédito, a recuperação económica não está no quadro.

O que está a acontecer é que as centenas de milhares de milhões de dólares de dinheiro do TARP .

dado aos grandes bancos e os milhões de milhões (trillions) de dólares que foram acrescentados ao balanço da Reserva Federal foram despejados no mercado de acções, produzindo uma outra bolha, e na aquisição de bancos mais pequenos por bancos "demasiado grandes para falir". O resultado é mais concentração financeira.

A expansão da dívida subjacente a esta bolha corroeu novamente a credibilidade do US dólar como divisa de reserva. Quando o dólar começar a ir, decisores em pânico elevarão as taxas de juros a fim de proteger a capacidade de contracção de empréstimos do Tesouro. Quando as taxas de juros ascendem, o que resta da economia dos EUA afundará.

Se o governo não pode contrair empréstimos, ele imprimirá dinheiro para pagar as suas contas. A hiper-inflação atingirá a população americana. O desemprego maciço e a inflação maciça infligirão ao povo americano uma miséria que nem mesmo Marx e Lenine poderiam conceber.

Enquanto isso, economistas da América continuam a pretender que estão a negociar com uma recessão normal do pós-guerra que requer meramente uma expansão da moeda e do crédito a fim de restaurar o crescimento económico.

07/Outubro/2009

[1] H-1B: categoria de visto para não imigrantes que permite ao patronato dos EUA procurar ajuda temporária de estrangeiros qualificados que tenham bacharelato.
[2] L-1: documento de visto para entrar nos EUA como não imigrante e válido por períodos de tempo de até três anos. São geralmente concedidos para empregados de companhias internacionais com escritórios nos EUA.

[*] Ex-secretário assistente do Tesouro na administração Reagan, co-autor de The Tyranny of Good Intentions . PaulCraigRoberts@yahoo.com


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Stalin, História e crítica de uma lenda negra
– Um livro de Domenico Losurdo

por Miguel Urbano Rodrigues

'Stalin', de  Domenico Losurdo.Há meses que me sento diante do computador para escrever este artigo. Mas o projecto foi adiado dia após dia.

Quando Domenico Losurdo me ofereceu
Stalin – Storia e critica de una leggenda nera, [*] já lera criticas sobre a obra. Mas não a imaginava.

Qualquer texto sobre pessoas que deixaram marcas profundas na história, quando escrito sem o suficiente distanciamento temporal, cria sempre grandes problemas ao autor.

Vivi essa situação este ano ao publicar um desambicioso artigo –
Apontamentos sobre Trotsky – O mito e a realidade . Em Portugal, alguns camaradas que admiro acusaram-me de trotskista; no Brasil, onde o artigo, mais divulgado, desencadeou polémicas, professores das Universidades de Campinas e do Rio Grande do Sul dedicaram-me trabalhos académicos, definindo-me como stalinista ortodoxo.

Domenico Losurdo aborda no seu
Stalin aspectos muito polémicos da intervenção na História do homem que na prática dirigiu a União Soviética durante quase três décadas. Não conheço obra comparável pela ausência de paixão e pela densidade e profundidade da reflexão sobre o tema.

Stalin foi um revolucionário que liderou a luta épica da União Soviética contra a barbárie nazi. Por si só esse combate em defesa do seu povo e da humanidade garante-lhe um lugar no panteão da História.

Sinto, contudo, a necessidade de acrescentar que nunca senti atracção por Stalin. Não admiro o homem. A sua personalidade aparece-me inseparável de actos e comportamentos sociais que reprovo e repudio.

A contradição não me impede de escrever este artigo, estimula-me a assumir o desafio.

A DEMONIZAÇÃO DE STALIN

A demonização de Stalin principiou nos anos 20, adquiriu proporções mundiais com o XX Congresso do PCUS, foi retomada durante a Perestroika e prosseguiu após o desaparecimento da União Soviética, embora com características diferentes. Ao proclamar "o fim do comunismo", a intelligentsia burguesa, empenhada em demonstrar a inviabilidade do socialismo, diversificou a ofensiva, atribuindo a Marx, Engels e Lenine grandes responsabilidades pelo "fracasso inevitável da utopia socialista". Stalin foi sobretudo visado como criador e executor de uma técnica de governação ditatorial, monstruosa. A palavra stalinismo entrou no léxico político como sinónimo de um sistema de poder absoluto que teria negado o marxismo ao impor "o socialismo real" mediante métodos criminosos.

Não são apenas académicos anticomunistas que satanizam Stalin. Dirigentes de partidos comunistas e historiadores marxistas, alguns de prestígio mundial, emprestaram credibilidade à condenação sem apelo de Stalin.

Eric Hobsbawm, o grande historiador britânico que foi, na juventude, membro do Partido Comunista inglês, esboça no seu livro
A Era dos Extremos - Breve História do Século XX um retrato totalmente negativo do estadista que anos antes fora por ele elogiado como revolucionário merecedor da admiração da humanidade.

O peso do anátema é tão forte que a Fundação Rosa Luxemburgo atribuiu em Janeiro passado um prémio ao historiador alemão Christoph Junke pelo seu livro
Der lange Schatten des Stalinismus, uma catilinária impiedosa sobre um "fenómeno histórico" que é também "uma teoria e uma prática política" que exorciza.

DA ESPERANÇA À REALIDADE

Sobre Stalin e a sua época foram escritos centenas de livros. Dos que li nenhum me impressionou tanto como este. A esmagadora maioria condena o homem e a obra; uma minoria de incondicionais faz a apologia do dirigente comunista e defende sem restrições a sua intervenção na história. Um abismo separa os críticos como o polaco Isaac Deutscher (trotskista) dos epígonos como o belga Ludo Martens (maoista), dois autores cujos livros foram publicados em português, no Brasil.

Losurdo, filósofo e historiador, ao iluminar uma época e o homem que foi o timoneiro da URSS durante quase trinta anos encaminha o leitor para uma reflexão complexa, inesperada e difícil. Não assume o papel de juiz.

O conhecimento profundo da história da Revolução Russa e das lutas que lhe marcaram o rumo após a morte de Lenine permitiram-lhe situar Stalin nesse vendaval sob uma perspectiva inovadora. Procura, como filósofo, compreender. Não absolve nem condena.

Acompanhando a trajectória de Stalin pela mão de Losurdo, o leitor é levado a conclusões incompatíveis com a lenda negra criada em torno da personagem. Mas Losurdo não reescreve a história, não tenta interpretá-la. Como investigador, fixa a atenção em períodos decisivos, procede a uma selecção de factos e acontecimentos e situa Stalin nos cenários em que actuou.

Quase todas as revoluções devoram os seus filhos. A que se impôs em Outubro de 1917 não foi excepção à regra. Mas quando ela triunfou eram inimagináveis as crises e conflitos que desembocaram na execução da maioria das personagens mais brilhantes da grande geração de bolcheviques que se propunha a construir o socialismo na Rússia atrasada e famélica.

O tempo era de esperança. Ao encerrar o I Congresso da Internacional Comunista, Lenine, sintetizou a sua confiança no futuro numa frase: "A vitória da revolução comunista em todo o mundo está assegurada. Aproxima-se a fundação da Republica soviética internacional".

A previsão foi rapidamente desmentida pela História.

O dissipar das ilusões e a sua superação quase coincidiram com a doença e a morte de Lenine. Após a derrota da revolução alemã, o autor de
"O Estado e a Revolução" teve a percepção de que o capitalismo iria sobreviver por muito tempo e que era necessário defender a todo o custo a jovem revolução russa. Trotsky não acreditava na viabilidade do "socialismo num só pais" e, desaparecido Lenine, acusou de cobardia e oportunismo quantos tinham renunciado à ideia da revolução mundial.

Losurdo lembra que Stalin foi o primeiro dirigente soviético a afirmar que por um longo período histórico a humanidade continuaria dividida não somente em diferentes sistemas sociais, mas também em diferentes identidades linguísticas, culturais e nacionais.

Enquanto Trotsky dirigia ainda apelos à insurreição ao proletariado da Finlândia, da Polónia, das repúblicas bálticas, e das grandes potencias capitalistas, Stalin criticava as teses sobre a exportação da revolução. Na sua opinião, a correlação de forças na Europa justificava a defesa do princípio da coexistência pacífica entre países com diferentes sistemas sociais.

Numa época em que muitos comunistas continuavam a sonhar com "o ascetismo universal", Stalin lembrava que o marxismo é inimigo do igualitarismo e insistia num ponto central: "seria estúpido pensar que o socialismo pode ser construído com base na miséria e em privações, com base na redução das necessidades pessoais e na queda do padrão de vida dos homens ao nível dos pobres".

Nos capítulos em que estuda as divergências de fundo que opuseram Trotsky e Stalin, Domenico Losurdo abstém-se mais uma vez de críticas e elogios. Situa o choque no grande painel da URSS post Lenine, e resume as posições de ambos, recorrendo a múltiplas citações.

São particularmente interessantes as páginas em que são confrontadas as posições de Trotsky e Stalin sobre os temas da organização jurídica da sociedade, da família, da propriedade e sobretudo do Estado.

A questão central da extinção do Estado, prevista por Marx, e exaustivamente analisada por Lenine, antes e depois da tomada do poder, merece-lhe uma atenção especial.

Às críticas de Trotsky – então no exílio – à Constituição Soviética de 36, Stalin responde que as lições de Marx e Engels não devem ser transformadas em dogma e numa nova escolástica.

O Estado Soviético, ao invés de caminhar para a extinção, fortalece-se cada vez mais. Segundo ele, o papel fundamental do Estado na URSS "consiste num trabalho pacífico de organização económica e no trabalho cultural e educativo". A antiga função repressiva fora "substituída pela função de salvaguarda da propriedade socialista da acção dos ladrões e dos esbanjadores do património do povo".

Losurdo sublinha que, na prática, o Estado soviético se desviou dessa função e lembra que em 1938 "imperava o terror e se ampliava monstruosamente o Gulag".

Mas a permanência do Estado repressivo não responde à pergunta: até que ponto é valida a tese de Marx sobre o definhamento e a extinção do Estado? Deve ou não manter-se o Estado numa sociedade comunista?

Losurdo recorda que na posição assumida por Stalin são identificáveis muitas contradições, mas sublinha que, ao contrariar uma tese clássica de Marx, o secretário-geral do PCUS actuava num terreno minado o que o expunha à acusação de "traidor" lançada por Trotsky.

A partir do início dos anos 30, Stalin, na sua luta contra a oposição, acusa os seus membros, globalmente, de "agentes do inimigo".

Exagerava. Mas Trotsky, principalmente, oferecia-lhe argumentos que contribuíam para a credibilidade das acusações que lhe eram dirigidas. Quando rádios da Prússia Oriental começaram a transmitir para a URSS textos trotskistas, Stalin tirou benefícios dessa iniciativa. E quando Trotsky, nas vésperas da II Guerra Mundial, em 22 de Abril de 1939, deu o seu apoio aos que pretendiam "libertar a Ucrânia soviética do jugo staliniano", intensificou-se a perseguição a quadros suspeitos de ideias trotskistas.

A OUTRA "GUERRA CIVIL"

Ao contrário do que se afirma na História oficial da Revolução Russa editada pelo PCUS, o grupo dirigente que assumiu o poder em Outubro de 17 estava já dividido no tocante a problemas fundamentais da política interna e internacional.

Os debates sobre os sindicatos, o papel do campesinato, a economia, as relações com as potências capitalistas, a questão das nacionalidades foram sempre polémicos no Politburo e no Comité Central. Somente o carisma e o imenso prestígio de Lenine retardaram os conflitos sobre a orientação do Partido que se produziram após a sua morte.

Losurdo conclui que o Relatório Secreto de Khruchov ao XX Congresso apresenta desse período histórico uma visão distorcida e fantasista.

A tese de Khruchov, segundo a qual cabe a Stalin a responsabilidade pelo assassínio em 1934 de Serguei Kirov, porque o jovem dirigente estaria implicado numa vasta conspiração contra ele, é rebatida por Losurdo com o apoio de documentação recentemente divulgada. Na realidade Kirov tinha uma grande admiração por Stalin que depositava nele uma confiança total.

As conspirações para afastar Stalin do Poder foram muito reais, mas as versões delas apresentadas no Ocidente por sovietólogos anticomunistas contribuem na opinião do filósofo marxista italiano para falsificar a história. E atingiram esse objectivo.

Domenico Losurdo está consciente de pisar um terreno perigoso na sua tentativa de iluminar um Stalin diferente do ditador cruel, megalómano e vingativo cujo perfil aparece esboçado no Relatório Secreto ao XX Congresso. Essa imagem, com o aval de Khruchov, foi exportada para todo o mundo e acabou por ser aceite no Ocidente como verdadeira até por muitos dirigentes de Partidos Comunistas.

Os capítulos do livro de Losurdo que suscitaram mais polémica em Itália e noutros países são por isso mesmo os dedicados às lutas no Partido que precederam os Processos de Moscovo.

De alguma maneira, a carta de Lenine ao Congresso do PCUS – lida por Krupskaia mas somente publicada anos depois – estimulou em dirigentes do Partido a tendência para lutar contra Stalin. Trotsky começou a conspirar com Kamenev e Zinoviev logo após a morte de Lenine.

Losurdo define o conflito ideológico da época como uma "guerra civil" que foi permanente no Partido até aos últimos processos do ano 38. Na primeira fase da luta pelo poder, Stalin conseguiu isolar Trotsky dos velhos bolcheviques, desencadeando contra ele uma campanha em que foi recordado o seu passado menchevique e as polémicas mantidas com Lenine.

O escritor italiano Curzio Malaparte, num livro que foi best seller –
Técnica do Golpe de Estado – publicado em França em 1931, foi um dos primeiros intelectuais europeus a escrever no ocidente sobre os acontecimentos mal conhecidos que, no ano 27, precederam a prisão de Trotsky, a sua expulsão do Partido e o confinamento em Alma Ata, no Casaquistão.

Uma documentação importante confirma que Kamenev e Zinoviev, que se opunham à política de Stalin mas sem o enfrentarem no Politburo, participaram pessoalmente dessa primeira conspiração. O objectivo era o afastamento de Stalin, mas o projecto fracassou e o secretário-geral recuperou mais uma vez Kamenev e Zinoviev, isolando Trotsky.

Bukharin, sempre imprevisível, fora até então – segundo Losurdo – como director do
Izvestia, um aliado firme de Stalin, mas, a partir da extinção da NEP e do inicio da colectivização das terras, empreendida em ritmo acelerado e com recurso a métodos cruéis, chegou à conclusão de que a estratégia adoptada pelo PCUS conduziria o país a um desastre. O dirigente que em Brest Litovsk tinha liderado no Partido a ala esquerdista deslocou-se para a direita numa brusca guinada, convicto de que a revolução somente poderia sobreviver se mudasse de rumo, adoptando uma orientação democratico-burguesa, o que significaria uma regressão histórica.

Rogowin, um historiador trotskista citado por Losurdo, afirma que Stalin tomou então a iniciativa de desencadear "uma guerra civil preventiva" contra aqueles que pretendiam derrubá-lo. Nesse período de conspirações labirínticas, o envolvimento de destacados dirigentes em manobras de bastidores foi permanente, delas participando alguns membros da velha guarda bolchevique. A abertura dos arquivos soviéticos veio esclarecer que alguns mudaram com frequência de campo.

Rogowin, polemizando muito mais tarde com Solzhenytsin, afirma que, longe de ser a expressão de "um acesso de violência irracional e insensata", o sanguinário terror desencadeado por Stalin foi na realidade a única maneira pela qual ele conseguiu quebrar a resistência daquilo a que chama "as verdadeiras forças comunistas".

Nos processos de Moscovo os ex-dirigentes bolcheviques aparecem todos como traidores. Mas a palavra é brutal e a generalização deforma a história. Antonov Ovsenko, Preobrajensky, Karl Radek, Rakovsky, Bukharin, Kamenev, Zinoviev, entre outros, dedicaram as suas vidas a um projecto radical de transformação da sociedade cuja meta era o socialismo, rumo ao comunismo.

Domenico Losurdo, escorado por fontes credíveis, procura compreendê-los descendo às raízes de comportamentos contraditórios que expressavam simultaneamente as dúvidas, as opções ideológicas e a fidelidade ao ideal comunista desses revolucionários.

Nas páginas dedicadas ao vespeiro de lutas internas dos anos 20 e 30, a chamada conspiração dos militares merece atenção especial. Losurdo não deixa para o leitor as conclusões; neste caso não se limita a colocar os dados sobre a mesa.

Na torrencial bibliografia ocidental sobre o assunto, o marechal Tukachevsky, herói da guerra civil, é sempre apresentado como vítima inocente do terror stalinista, arquétipo do revolucionário puro, triturado por uma engrenagem perversa.

Losurdo afirma que já em 1920, durante a guerra na Polónia, Tukachevsky tinha deixado transparecer uma ambição militarista preocupante ao impor a marcha sobre Varsóvia que teve um desfecho desastroso. Mas Stalin confiava nele e promoveu-o a marechal após as vitórias alcançadas em 36 contra o Japão na Mongólia.

Transcorridos 70 anos, continua a ser polémica a questão dos contactos secretos que Tukachevsky teria mantido com potências estrangeiras. Mas historiadores que lhe atribuem a aspiração de se transformar no "Bonaparte da Revolução Bolchevique" acumularam provas que o comprometem.

O checoslovaco Benés, em 1937, informou os franceses desses contactos e Churchill, após a II Guerra Mundial, admitiu que a grande depuração no corpo de oficiais da URSS atingiu elementos filo alemães e, citando o nome de Tukachevsky, afirmou que Stalin tinha uma divida de gratidão para com o presidente Bénes. O embaixador dos EUA em Moscovo, Joseph Davies, alude também a uma "conspiração dos militares". O próprio Trotsky, não obstante o seu ódio a Stalin, afirma evasivamente, num comentário à execução de Tukachevsky e outros oficiais, que "tudo depende daquilo que se entenda por conspiração".

Na sua reflexão sobre a prolongada luta travada na direcção do PCUS após a morte de Lenine, Losurdo emprega repetidamente a expressão "as três guerras civis" para caracterizar a amplitude que assumiram. A última findou com a execução de Bukharin.

O filósofo italiano lembra no seu livro que Bukharin, após a extinção da NEP, decisão a que se opôs, começou, em reuniões privadas, a chamar a Stalin "o representante do neotrotskismo" e "intrigante sem princípios". Foi o começo da viragem que, paradoxalmente, mais uma vez o aproximou de Trotsky que lhe inspirava temor e admiração.

AS ORIGENS DO STALINISMO

A deformação da história real da Rússia começou no Ocidente logo após o derrubamento da autocracia czarista. A tese segundo a qual a Revolução de Fevereiro teria sido uma revolução quase sem violência e a de Outubro uma sangrenta tragédia é um mito forjado nos países capitalistas. Na realidade morreu muito mais gente na primeira do que nas jornadas que precederam o assalto ao Palácio de Inverno e nos dias posteriores.

Losurdo, no capítulo em que estuda as "origens do stalinismo", recorda que Stalin, contrariamente a Trotsky, defendia a compatibilidade de um "nacionalismo sadio", do "sentimento nacional e da ideia de pátria" com a fidelidade ao internacionalismo proletário. Quando o Reich nazi invadiu a URSS afirmou insistentemente que o caminho para o universal passava através da luta dos povos que não aceitavam a condição de escravos ao serviço do povo de senhores imaginado por Hitler.

Stalin é acusado de defender um conceito de estado e uma politica de nacionalidades cuja aplicação reflectiu contradições antagónicas. Mas vivia-se uma época em que contradições simultaneamente transparentes e incompatíveis eram comuns na formulação da teoria revolucionária. Rosa Luxemburgo criticou duramente o partido bolchevique por ter liquidado a democracia tal como a concebia, mas simultaneamente exortava-o a reprimir com punho de ferro qualquer tendência separatista de "povos sem história", incluindo o da sua Polónia natal. Stalin, pelo contrario, defendia a necessidade de um respeito enorme pelas mais de cinquenta nacionalidades da Rússia e considerava que a preservação das suas línguas e culturas lhe aparecia como indissociável do progresso da Rússia revolucionária.

Essas ideias, condensadas num livro elogiado por Lenine, não encontraram porém tradução na praxis, sobretudo a partir dos anos em que exerceu como secretário-geral do PCUS um poder pessoal quase absoluto.

Mas, paradoxalmente, nos últimos anos da vida, Stalin reassume a defesa das nacionalidades ao combater como utópica a ideia de "uma língua única para a humanidade" "quando o socialismo triunfar a nível mundial". Sublinhando que a língua não é uma super estrutura, afirma que os idiomas não foram criados por uma classe social, mas "por todas as classes da sociedade graças aos esforços de centenas de gerações".

No seu denso ensaio, cuja riqueza conceptual e documental é incompatível com sínteses breves, Losurdo fixa as origens daquilo a que se chamou o stalinismo, numa época marcada por tensões, conspirações e fome, do inicio da colectivização das terras.

Citando a
Fenomenologia do Espírito, de Hegel, e o que o filósofo alemão pensava da "liberdade absoluta" e do "terror", sustenta que "o "stalinismo" não é o resultado "nem da sede de poder de um individuo, nem de uma ideologia, mas do estado de excepção permanente que se implanta na Rússia a partir de 1914".

A maioria dos historiadores ocidentais sérios, lembra, coincidem em que no início dos anos 30, Stalin não era ainda um autocrata. Segundo Werth não existia nesse tempo o culto da personalidade e persistia a tradição da ditadura do proletariado.

Em 1925, em plena NEP, Stalin expressava opiniões como esta: "hoje não é mais possível dirigir com métodos militares"; "agora não se exerce a máxima pressão, mas a máxima flexibilidade, seja na política seja na organização"... Então considerava um erro "identificar o Partido com o Estado" e repetia que "o socialismo é a passagem (da fase) em que existe a ditadura do proletariado à sociedade sem estado".

Foi a decisão de industrializar o país rapidamente que provocou a viragem estratégica que desencadeou a repressão sobre os camponeses. Cercada por potências hostis, sem acesso ao capital internacional, a URSS para financiar a industrialização, recorreu aos excedentes gerados por uma agricultura atrasada. O projecto da colectivização da terra, pela maneira violenta como foi concretizado, produziu rasgões não apenas no tecido social como na direcção do Partido. Atingiu o objectivo, mas o preço político e social foi altíssimo.

Mas terá sido somente a partir de 37, com o Grande Terror – expressão utilizada por Losurdo – que a ditadura do proletariado cedeu o lugar à autocracia.

Nas
Obras Completas de Stalin são, porém numerosas as páginas em que ele repete que a ditadura do proletariado teria assumido um carácter muito diferente se a Guerra Mundial, anunciada com antecedência, não o tivesse encaminhado para uma politica de concentração do poder. Seria sincero ao escrever que a concebeu como transitória? Nunca o saberemos.

O que está comprovado por uma abundante documentação é a convicção que Stalin tinha de que após a derrota do III Reich hitleriano se abriria à Aliança com os EUA e a Inglaterra um grande futuro. Acreditou numa era de boas relações com o Ocidente capitalista.

Não previa então para a Europa Oriental o tipo de regimes que ali instalou com mão de ferro. Entendia que a Polónia não deveria optar pela via da ditadura do proletariado. "Não é obrigada a isso, não é necessário". E, falando com dirigentes comunistas búlgaros, surpreendeu-os ao afirmar: "é possível realizar o socialismo de um modo novo, sem a ditadura do proletariado". E, quando mantinha ainda uma relação cordial com Tito, disse-lhe: "Nos nossos dias o socialismo é possível inclusive sob a monarquia inglesa".

O americano Robert Conquest, o historiador de ultra direita a que Losurdo atribui essas palavras, sublinha que elas demonstram que "Stalin estava repensando activamente a validez universal do modelo soviético de revolução e socialismo".

O que não suscita duvidas é que a Guerra Fria fez ruir eventuais planos sobre uma mudança de estratégia e pôs termo à meditação ideológica sobre os modelos de socialismo. O degelo tornou-se uma impossibilidade.

SOBRE A POPULARIDADE DE STALIN E OS GULAG

Losurdo dedica muitas páginas ao tema da popularidade de Stalin. Baseado em fontes de múltiplas tendências, chama a atenção para uma realidade desconhecida no Ocidente. Mesmo durante o biénio do Grande Terror, 37-38, a base social de apoio à política de Stalin amplia-se.

Verifica-se, escreve Losurdo, "uma interacção paradoxal e trágica". Em consequência, por um lado, do forte desenvolvimento económico e cultural e por outro do medo suscitado pela repressão, "dezenas de milhares de stakanovistas tornaram-se directores de fábricas e uma análoga e rapidíssima mobilidade social ocorreu nas forças armadas".

Nas vésperas da guerra, o chefe dos tradutores do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reich, de visita a Moscovo, ao passar pela Praça Vermelha resumiu nestas palavras a atmosfera de tranquilidade existente na capital: "Quem esteve em Moscovo e não viu Lenine, disse-me um membro da Embaixada, não vale nada para a população rural russa".

Nas campanhas anti comunistas, os textos sobre os Gulag siberianos criados por Stalin e os relatos sobre o sofrimento dos deportados funcionam como artilharia pesada. Muitos livros têm sido dedicados ao tema, desde o romance que valeu o Nobel a Solzhenytsin.

Losurdo aborda a questão de frente, situando-se numa perspectiva pouco habitual.

Estudou a fundo a documentação soviética existente nos arquivos. Como ser humano e revolucionário inspiram-lhe sentimentos de repulsa e indignação os campos de trabalhos forçados, em qualquer país e quaisquer que sejam os seus objectivos.

Essa posição não o impede de denunciar a falsificação das estatísticas ocidentais que inflacionam desmesuradamente a população dos Gulag, multiplicando o número de pessoas que passaram por eles e os que ali morreram. Simultaneamente rejeita os paralelos estabelecidos entre os campos de extermínio nazi e os campos de trabalho soviéticos. O universo concentracionário siberiano era um mundo de contradições. Na URSS – salienta Losurdo – a lei punia com rigor as violações rotineiras dos regulamentos. O próprio Vichinsky, quando Procurador-Geral da União, denunciou publicamente as condições intoleráveis de alguns Gulag onde os homens eram tratados como "animais selvagens".

Losurdo recorda que nos campos soviéticos havia bibliotecas para os deportados, e a direcção promovia espectáculos, concertos e conferencias e que os prisioneiros em muitos Gulag estavam autorizados a publicar jornais murais.

A partir do início da agressão alemã, as condições de vida suavizaram-se em quase todos os campos de trabalho soviéticos. Milhares de prisioneiros foram beneficiados por uma série de amnistias e reintegrados na sociedade ou nas forças armadas.

Losurdo, numa critica frontal à hipocrisia dos intelectuais anticomunistas que reescrevem a história, falsificando-a, procede a um breve inventario dos horrores de campos de concentração criados por potencias ocidentais cujos dirigentes se apresentam como campeões dos direitos humanos, horrores ocultados por um manto de silencio.

A Austrália, por exemplo, ao longo de quase todo o século XIX, foi a Sibéria oficial da Inglaterra imperial. Os textos que reproduz esboçam dos campos de concentração australianos um panorama só comparável ao dos criados pelas SS de Himler. Os aborígenes, alias, ainda eram caçados no país no início do século passado como animais.

E que pensar dos campos de internamento instalados por Roosevelt para cidadãos de origem japonesa – incluindo crianças – cujo único crime era a origem étnica? Durante a guerra, muitos prisioneiros alemães foram submetidos nos EUA a torturas medievais, como a destruição dos testículos.

É do domínio público que na primeira metade do século XX os linchamentos de negros eram ainda rotineiros em Estados do Sul do país. Ho Chi Min descreve esses espectáculos macabros, tolerados pelas autoridades. Assistiu, angustiado, a um deles.

Nas histórias da Inglaterra não há praticamente referências aos campos de trabalho militarizados instalados na Índia durante o Império. Mas eles existiram e foram cenário de crimes repugnantes.

O apagamento da memória histórica dos horrores dos campos de concentração criados pela França na Argélia é igualmente uma realidade na pátria de Victor Hugo.

Na Alemanha ignora-se o genocídio planeado dos Herreros e dos Hotentotes na Namíbia quando aquele país era uma colónia do Império dos Hohenzollern. Foram chacinados como animais em campos especiais pelo exército colonial do Kaiser Guilherme II.

Do genocídio dos indígenas também pouco se fala no Canadá; mas esse silêncio não apaga o facto de que o objectivo dos campos da morte do país foi o extermínio deliberado de tribos inteiras de índios num autêntico holocausto.

A evocação desses crimes esquecidos pelos defensores ocidentais dos direitos humanos ocupa muitas páginas no livro de Losurdo.

Poderia ter acrescentado uma referência ao campo do Tarrafal em Cabo Verde e aos campos de concentração, como o de São Nicolau, que Salazar instalou em Angola.

STALIN E OS JUDEUS

A satanização de Stalin no Ocidente não é somente uma constante nas campanhas anticomunistas. Historiadores europeus e estado-unidenses de prestígio identificados com a ideologia neoliberal cultivaram nas últimas décadas uma perversa modalidade de irracionalismo no esforço para diabolizar Stalin.

A receita é primária: Stalin e Hitler seriam "monstros gémeos".

Losurdo na desmontagem do paralelo e das imaginárias afinidades entre o dirigente soviético e o führer nazi analisa textos de autores como a destacada escritora sionista estado-unidense Ana Arendt para ridicularizar a argumentação inspirada por um anticomunismo cavernícola.

Arendt, entre outras inverdades, apresenta Stalin como um anti-semita fanático. Atribui-lhe uma "política canibalesca"contra os judeus, baseada num ódio racial feroz.

O historiador Robert Conquest, porta-voz da extrema-direita norte-americana, comentando a repressão na Ucrânia durante a colectivização afirma que Stalin transformou aquela Republica soviética num "imenso Bergen Belsen" (um campo de extermínio alemão).

Losurdo lembra que Conquest, num dos seus livros, editado no âmbito de uma operação politico cultural anticomunista, responsabiliza a URSS por "infâmias iguais em tudo às cometidas pelo Terceiro Reich".

Cabe recordar que sucessivos presidentes dos EUA manifestaram grande apreço por Conquest como historiador e perfilharam a tese do Golodomor (o chamado holocausto ucraniano), transformando-a numa poderosa arma na Guerra-Fria. Reagan utilizou-a como instrumento ideológico no período que precedeu o desmembramento da URSS.

Losurdo, ao refutar as acusações de anti-semitismo feitas a Stalin, recorda que após o final da guerra, antes da partilha da Palestina, o dirigente soviético adoptou "uma politica fundamentalmente filo hebraica". A URSS foi aliás o primeiro país a reconhecer o Estado de Israel. Numa mensagem dirigida de Paris a Ben Gurion, o seu ministro dos Estrangeiros, salienta que os delegados soviéticos actuaram como "advogados de Israel" na Conferencia da ONU sobre a questão palestiniana.

Os arquivos do Foreign Office e do Departamento de Estado acumulam aliás documentação que confirma uma realidade hoje incomoda por muitos motivos: "a União Soviética contribuiu de maneira essencial – como escreve Losurdo – para a criação e fortalecimento do Estado hebraico",

Losurdo, recorrendo a citações de autores insuspeitos, lembra que Stalin fustigava o anti-semitismo com expressões como "chauvinismo racial" e "canibalismo".

Muitos dos bolcheviques mais destacados da velha guarda eram judeus, Zhdanov, um dirigente no qual Stalin depositou uma confiança irrestrita também era judeu. E durante décadas milhares de elementos de origem hebraica ocuparam funções da maior responsabilidade no Estado Soviético.

Hitler nas suas catilinárias anti-semitas atribuía aos judeus um papel decisivo na preparação da Revolução de Outubro. Utilizando uma linguagem desbragada, aludia a uma "horda terrorista hebraica" de "asiáticos circuncisados" e afirmava que sangue judeu corria nas veias de Lenine. E dizia que Stalin era um judeu, não pelo sangue mas pelo espírito.

A politica pró Israel de Stalin somente deu uma guinada de 180 graus, assumindo uma orientação anti-sionista, quando os diplomatas de Tel Aviv, após a visita de Golda Meier a Moscovo, iniciaram contactos secretos com a comunidade hebraica da URSS com o objectivo de estimular a emigração para Israel dos judeus soviéticos.

"Cada hebreu – teria dito então Stalin, segundo Roy Medvedev – é um nacionalista, é um agente da espionagem americana".

Losurdo aborda com cautela o tema da alegada "conspiração" dos médicos judeus de Stalin à qual escritores e jornalistas ocidentais dedicaram milhares de páginas. Transcorrido mais de meio século, o fuzilamento de alguns desses médicos continua a suscitar polémicas apaixonadas dentro e fora da Rússia. O filósofo italiano, comentando versões contraditórias, evita uma conclusão, sublinhando que não foram somente dirigentes soviéticos a emprestar credibilidade à teoria do complot. O diplomata britânico Sir Joe Gascoigne admitiu na época que os médicos do Kremlin eram "culpados de traição".

COMUNISMO ANTÍTESE DO FASCISMO

A intensidade, as proporções e a sofisticação da campanha anticomunista na qual um dos objectivos era a destruição da imagem positiva projectada no mundo pela União Soviética produziram no Ocidente efeitos prolongados e complexos que se manifestam ainda, transcorridas quase duas décadas desde a reimplantação do capitalismo na pátria de Lenine.

A ofensiva prosseguiu. Os teóricos do capitalismo, criadores de slogans como "O império do mal" e outros similares, compreenderam que o esforço para desacreditar a URSS era insuficiente se não concentrassem as suas criticas na ideologia do sistema. Marx, Engels e Lenine tornaram-se então alvos preferências dos intelectuais e de políticos empenhados em apresentar o socialismo como um projecto fracassado não apenas utópico, mas monstruoso.

Qualquer cientista político minimamente estudioso sabe que não existiu até hoje um único regime comunista. Mas simulando ignorar a evidência – o comunismo é uma fase superior do socialismo – os ideólogos da burguesia insistem em chamar comunistas aos países que desenvolveram experiências socialistas, entre os quais a URSS.

A maioria dos Partidos Comunistas – o Português, o da Grécia e o Akel cipriota são na Europa excepções ao revisionismo – não soube reagir positivamente a essa ofensiva ideológica. Muitos dirigentes, por ela contaminados, não somente participaram das campanhas de satanização da URSS como renegaram os valores da Revolução de Outubro, levando a capitulação ao extremo de aderir a calúnias anticomunistas.

Registo que não faltam militantes de partidos revolucionários que, por temor, não ousam hoje assumir-se publicamente como marxistas e comunistas.

Foi no âmbito dessa ofensiva ideológica que académicos de grandes universidades europeias e norte-americanas forjaram a tese segundo a qual fascismo e comunismo seriam, afinal, variantes de uma mesma concepção monstruosa da política. Entre os muitos livros publicado sobre o tema, alguns, como
Origens do Totalitarismo, de Ana Arendt, foram best-seller mundiais que disseminaram a mentira e a calúnia com verniz de verdade.

Domenico Losurdo nos capítulos dedicados à psicopatologia e à moral das leituras ocidentais da era de Stalin e à aberração das comparações entre este e Hitler desce às origens e motivações da estratégia anticomunista.

Relembra que esse trabalho tem raízes antigas. O Presidente Wilson, por exemplo, era um fanático anticomunista. Na sua opinião, a Revolução de Outubro foi fundamentalmente um Complot alemão e Lenine e outros dirigentes bolcheviques teriam estado durante anos ao serviço da Alemanha imperial.

Losurdo, que emprega a expressão Grande Terror com maiúsculas para designar o biénio 37-38 dos Processos de Moscovo, esboça com frontalidade o quadro sombrio da repressão na URSS em diferentes fases da era de Stalin.

Alerta, porém, para a hipocrisia de eminentes historiadores ocidentais que branqueiam ou omitem crimes contra a humanidade praticados pelos governos e forças armadas de países capitalistas enquanto se esforçam para mobilizar as consciências contra os cometidos pelos "monstros comunistas".

Recorda – apenas um exemplo – que o fuzilamento de oficiais polacos pelos soviéticos em Katyn foi um crime indesculpável. Sublinha, porem, que esse massacre abjecto tem sido utilizado exaustivamente pela propaganda ocidental no cinema, na televisão, na imprensa, em livros – como prova do carácter bárbaro, desumano do regime soviético.

Num brevíssimo inventário de alguns crimes ocidentais que não figuram ou são suavizados nos manuais de História, Losurdo cita entre outros:

  • A morte por fome e maus-tratos de dois dos três milhões de prisioneiros soviéticos capturados pelos alemães na Frente Leste.

  • A chacina pelos britânicos de milhares de mulheres e crianças no campo de concentração de Kamiti, no Quénia, após a rebelião dos Mau Mau.

  • O bombardeamento genocida de Dresden pelos ingleses quando a guerra estava no final e o apoio de Churchill, Roosevelt e Truman aos bombardeamentos terroristas de cidades alemãs sem objectivos militares com o objectivo de aterrorizar as populações.

  • A execução na Sicília por ordem do general Patton de soldados italianos que se tinham rendido ao exército americano.

  • O genocídio nas Filipinas no começo do século XX durante a revolta contra a ocupação norte-americana.

  • O extermínio total da população aborígene da Tasmânia.

  • A recusa de fazer prisioneiros muçulmanos durante a campanha do Sudão no final do século XIX na qual Churchill participou como oficial de cavalaria.

  • A execução em Taejon em Julho de 1950 de 1700 coreanos que antes do fuzilamento foram obrigados a escavar a fossa onde foram sepultados.

  • O extermínio pelo exército dos EUA do total dos moradores de dezenas de aldeias no Vietname e no Laos.

  • A ordem de Nixon no inicio dos anos 70 para que fossem lançadas nas áreas rurais do Camboja mais bombas de quantas haviam explodido nas cidades japonesas durante toda a segunda guerra mundial.

  • E o mais trágico e abjecto dos crimes contra a humanidade: o lançamento da bomba atómica sobre Hiroshima e Nagasaki em Agosto de 1945.

O ÓDIO NÃO FAZ HISTÓRIA

Para os ingleses é muito constrangedor hoje reconhecer que os seus líderes derramaram elogios sobre Mussolini e Hitler antes da Guerra Mundial.

Churchill declarou em 1933 que via "o génio romano personalizado em Mussolini, o maior legislador vivo, que mostrou a muitas nações como se pode resistir a chegar ao socialismo"…

Quatro anos depois, em 1937, escreveu que Hitler era um político "extremamente competente", com um "sorriso que desarmava"e um "subtil magnetismo pessoal".

Lloyd George, o ex Primeiro-ministro liberal, foi ainda mais apologético ao definir o führer como "um grande homem".

Paradoxalmente, os mesmos dirigentes das grandes potências ocidentais cujos anátemas contra a URSS e Stalin continuam a ser peças de fundo nas campanhas anticomunistas reconheceram publicamente a decisiva importância da contribuição soviética para a derrota do Reich nazi e manifestaram grande apreço pela pessoa do secretário-geral do PCUS.

Roosevelt, já muito doente, não escondeu a impressão positiva que na Conferencia de Teerão lhe causara a personalidade de Stalin, definindo-o como um estadista de grande talento e cultura.

Na correspondência de Churchill hoje publicada são numerosas as referencias altamente elogiosas a Stalin. Identificou nele um dos mais dotados estadistas do século XX.

Isso não o impediu de dar o dito por não dito e de se orgulhar de ser o pai da Guerra Fria ao esboçar no famoso discurso de Fulton os perigos daquilo a que chamou a "Cortina de Ferro".

Obviamente o Relatório Secreto de Khruchov trouxe um poderoso estímulo à campanha de demonização de Stalin.

A abertura dos Arquivos soviéticos e as memórias de marechais que desempenharam um grande papel na derrota militar do III Reich constituem o mais eficaz dos desmentidos a afirmações caricaturais desse Relatório que apresenta de Stalin a imagem de um dirigente que caíra em depressão com a invasão alemã e sem influência directa na condução da guerra patriótica.

A tese provocatória dos monstros gémeos", difundida por Ana Arendt e outros escritores anticomunistas, não passa de uma grotesca operação de marketing político. Mas continua a ser tempero utilizado nas campanhas de satanização de Stalin.

Losurdo chama a atenção para o protagonismo que Arendt mais uma vez assumiu nessa ofensiva, na tentativa de forçar um paralelo entre a Alemanha nazi e a URSS Staliniana.

A escritora sionista pretende iluminar "a origem do totalitarismo", mas na realidade o seu ensaio agride a História, configurando aquilo a que Lukacs chama o assalto à razão.

A obsessão dos ideólogos do neoliberalismo em lançar pontes entre Hitler e Stalin é tão irracional que assume facetas de paranóia.

Losurdo pulveriza a tese e lembra com fundamento que pelo pensamento e pela sua intervenção na Historia foram precisamente duas personalidades antagónicas.

Enquanto Hitler fez do racismo um cimento do Estado nazi, Stalin condenou-o como forma de canibalismo social e ameaça à paz. Stalin investiu sempre contra o mito da superioridade dos arianos puros, sobretudo os alemães, sobre os demais povos.

Sob a sua direcção, a União Soviética assumiu um papel decisivo na descolonização e foi graças à solidariedade do Partido sob a sua direcção, apoio ideológico e ajuda material que as lutas de libertação nacional se desenvolveram vitoriosamente na Africa, na Ásia e na América Latina.

Até Friedrich Hayek, o economista austríaco que é considerado o pai do neoliberalismo ortodoxo, reconhece que sem a Revolução russa o chamado estado social não teria sido possível na Europa.

04/Agosto/2009

[*] Carocci Editore , Roma, 2008, 384 pgs., ISBN 9788843042937

  • Blog de Domenico Losurdo: http://www.domenicolosurdo.blogspot.com/
  • Encomendar obras de Domenico Losurdo .

    O original encontra-se em http://www.odiario.info/articulo.php?p=1250&more=1&c=1


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • domingo, 25 de outubro de 2009


    Fraud, Famine and Fascism
    O Genocídio ucraniano Mito de Hitler para Harvard

    por Douglas Tottle

    Publicado em 1987 no Canadá

    Este livro está atualmente fora de catálogo e extremamente raros. A biblioteca de pesquisa mundial revela que este livro só está presente em 28 bibliotecas, apenas um deles uma biblioteca pública, sendo o resto bibliotecas acadêmicas. Dos 28 locais de biblioteca que possui o livro 14 estão na América.

    Este livro documenta como e por histórias fraudulentas sobre a fome ucraniana de 1930 fez as editoras em todo o mundo e tornaram-se aceito como verdade por quase todos, apesar do fato de que eles são comprovadamente falsas. As histórias de milhões de mortes causadas pela fome na Ucrânia em 1933 e 1934, supostamente provocada pelos efeitos do sistema soviético, foram fabricados pela propaganda nazista em suas campanhas de propaganda contra o bolchevismo. A propagação dessas histórias para a América tomou a rota através de prensas de William Randolph Hearst, que também já foi comprovada, como eu tenho documentado neste site, ter trabalhado em colaboração com os nazistas e publicação de propaganda nazista nos principais publicações americanas em todo segunda metade da década de 1930 e em 1940.

    Estas formações, que estão bem documentados neste livro, tornaram-se quase totalmente aceites como factos pelos americanos, e estas formações têm sido repetidamente utilizada, e ainda são usados, por políticos, apesar do fato de que eles são comprovadamente falsas e foram comprovadamente produzida por um conspirador nazista. O facto de William Randolph Hearst estava conspirando com os nazistas durante a década de 1930 é comprovada fora deste livro, e é uma parte do registro oficial do governo americano, mas suas publicações fabricado sobre a Fome na Ucrânia são ainda referenciados como o fato de hoje.

    Este livro não pretende que a fome não teve lugar na Ucrânia, ou que não houve dificuldades relacionadas com os programas de colectivização dos soviéticos. O livro é uma análise das notícias publicadas sobre a fome que teve lugar, e como essas histórias se tornou politizada.

    Download aqui


    segunda-feira, 28 de setembro de 2009

    Fome nos EUA: doze milhões de crianças à beira da morte

    Estudo revela que uma em cada seis crianças norte-americanas menores de cinco anos passa fome e insegurança alimentar

    14 de maio de 2009


    Cenas de pobreza e miséria aparecem com freqüência em jornais de todo o mundo. Imagens que mostram geralmente a situação extrema em que vivem os povos na África, na América Latina ou no Sul da Ásia. Muito comum também é conhecer através da imprensa mundial a riqueza e o desenvolvimento nos países acima da linha do Equador. Europa, EUA, Rússia e Japão são sempre relacionados com avanço tecnológico, poder aquisitivo e alto nível de bem-estar social. Isso não quer dizer, no entanto, que o mundo seja exatamente assim. O colapso econômico mundial, a maior crise da história do regime capitalista, está levando à tona o que os países ricos sempre fizeram questão de esconder. No país mais rico do mundo, os EUA, milhões de crianças estão muito abaixo da linha de pobreza e denunciam uma realidade cada vez mais difícil de esconder.

    O último informe da organização Feeding America (Alimentando a América), que defende a criação de um banco de alimentos nos EUA, revela que pelo menos 12 milhões de crianças estão à beira da fome em todo o país e mais de três milhões e meio de crianças com menos de cinco anos passam fome, uma cifra equivalente a 17% (um em cada seis) das crianças norte-americanas de cinco anos de idade ou menos.

    O informe “Insegurança alimentar infantil nos EUA: 2005-2007”, publicado no dia 7 de maio, é a primeira análise por estado que avalia a situação de crianças e bebês que vivem em regiões pobres do país. A organização se baseou em dados coletados pelo Departamento Federal de Agricultura (USDA, na sigla em inglês) e pelo Censo de 2005 e 2006.

    Os dados revelam a deterioração das condições de vida da classe trabalhadora nos últimos cinco anos. A partir de 2005, a fome e a pobreza se extenderam rapidamente junto com o aumento do desemprego e com os rebaixamentos salariais.

    “Feeding America concluiu que neste período precedente à aparição da crise econômica, em 11 estados mais de 20% das crianças pequenas corriam perigo de passar fome. Lousiana, com 24,2%, tem o índice mais alto de insegurança alimentar, seguido da Carolina do Norte, Ohio, Kentucky, Texas, Novo México, Kansas, Carolina do Sul, Tennessee, Idaho e Arkansas”.

    Na Califórnia, os estudos concluíram que uma média 1,6 milhão de crianças se encontravam na extrema pobreza entre 2005 e 2007. No Texas, a média era de 1,47% milhão no mesmo período. Nenhum estado tem menos de 10% de sua população infantil exposta à fome. Até mesmo a “escassamente povoada” Dakota do Norte registrou um índice de 10,9%.

    Segundo a USDA, mais de um milhão de pessoas foram inscritas em programas de assistência federal desde setembro do ano passado. Atualmente são 32, 5 milhões de norte-americanos recebendo auxílio alimentar do governo, mas o número pode ser bem maior em razão do aumento do desemprego e da pobreza. Uma grande parcela não teve ainda a oportunidade de se cadastrar. A organização Food Research and Action Center estima que mais de 16 milhões de pessoas estão procurando assistência alimentar federal, mas não conseguiram se inscrever no programa.

    Uma reportagem publicada pelo New York Times no dia 9 de maio identificou uma profunda insuficiência dos programas de assistência nos estados. Na Califórnia, por exemplo, só a metade das pessoas que passam fome conseguiu se cadastrar em um programa de vale alimentação. Em outros estados, como Missouri, onde a inscrição das pessoas que reúnem os critérios do programa é de 98%, centenas de milhares de famílias trabalhadoras pobres inscritas estão recebendo cada vez menos ajuda a cada mês que passa.

    Em conseqüência disso, cada vez mais famílias norte-americanas estão recorrendo a restaurantes populares e organizações de caridade. Ou então cortam as despesas e passam a consumir produtos mais baratos e de menor qualidade. Esta é a situação da maior potência econômica que a humanidade já conheceu. Cada vez mais milhões de famílias passam fome e perdem suas residências, sendo obrigadas a se alojarem em acampamentos improvisados ou até mesmo dentro de veículos. Estes são os ingredientes para a eclosão de uma enorme situação revolucionária que fermenta no seio da maior classe operária do mundo.

    quinta-feira, 27 de agosto de 2009

    Figuras do Movimento Operário Lênin, a Águia das Montanhas
    J. Stálin
    28 de Janeiro de 1924
    Primeira Edição: Discurso pronunciado na solenidade organizada pelos alunos da Escola Militar do Kremlin, a 28 de janeiro de 1924. Fonte: Problemas - Revista Mensal de Cultura Política nº 32 - Jan-Fev de 1951. Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, Novembro 2008.Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.CAMARADAS: Comunicaram-me que haveis organizado uma solenidade dedicada à memória de Lênin e que eu era um dos oradores que haviam sido convidados. Acho que não é preciso fazer uma exposição sistematizada das atividades de Lênin. Creio preferível limitar-me a uma serie de fatos que façam ressaltar certas particularidades de Lênin como homem e como político. Talvez não haja relação interna entre estes fatos, mas isto não pode ter uma importância decisiva para quem queira formar uma idéia geral sobre Lênin. Em todo caso, apenas não tenho, neste momento, a possibilidade de dar-vos mais do que acabo de prometer-vos.
    A ÁGUIA DAS MONTANHAS
    CONHECI Lênin pela primeira vez em 1903. Certamente, este conhecimento não foi pessoal, mas por correspondência. Deixou em mim, porém, uma impressão indelével que não se apagou em todo o tempo em que venho atuando no Partido. Encontrava-mo então na Sibéria, deportado. Ao conhecer a atuação revolucionária de Lênin nos últimos anos do século XIX e, sobretudo, depois de 1901, depois da publicação da Iskra, convenci-me de que tínhamos em Lênin um homem extraordinário. Não era então a meu ver, um simples chefe do Partido; era seu verdadeiro criador, porque só ele compreendia a própria natureza e as necessidades urgentes de nosso Partido. Quando o comparava com os outros chefes do nosso Partido, me parecia sempre que os companheiros de luta de Lênin — Plekhanov, Mártov, Axelrod e outros — estavam cem furos abaixo dele; que Lênin, em comparação com eles, não era simplesmente um dos dirigentes, mas um chefe de tipo superior, uma águia das montanhas, sem medo na luta e conduzindo audazmente o Partido para diante, pelo caminho ainda inexplorado do movimento revolucionário russo. Esta impressão acabou por penetrar tão fundamente em meu espírito, que senti a necessidade de escrever a respeito a um intimo amigo meu, emigrado no estrangeiro, pedindo-lhe sua opinião. Ao cabo de algum tempo, quando já estava deportado na Sibéria — era em fins de 1903 — recebi uma resposta entusiasta de meu amigo, bem como uma carta simples, mas profunda, escrita por Lênin, a quem meu amigo havia mostrado minha própria carta. A missiva de Lênin era relativamente curta, mas continha uma critica audaz e corajosa das atividades práticas de nosso Partido, assim como uma exposição magnificamente clara e concisa de todo o plano de trabalho do Partido para o futuro próximo. Só Lênin sabia escrever sobre as questões mais complexas com tanta simplicidade e clareza, concisão e audácia, que suas frases não pareciam que falavam, mas que disparavam. Esta pequena carta, simples e audaz, convenceu-me mais ainda de que tínhamos em Lênin a águia das montanhas de nosso Partido. Não posso perdoar-me o haver queimado aquela carta de Lênin, assim como muitas outras, seguindo o costume do velho militante na ilegalidade.
    Datam daquele momento as minhas relações com Lênin.
    A MODÉSTIA
    ENCONTREI-ME pela primeira vez com Lênin em dezembro de 1905, na Conferência bolchevique de Tamerfors (Finlândia). Esperava ver a águia de nosso Partido, o grande homem, grande não só do ponto de vista político, mas também, se quiserdes, do ponto de vista físico, porque imaginava Lênin como um gigante de postura imponente e majestosa. Foi muito grande a minha decepção quando vi um homem completamente simples, de estatura menor que a mediana, e que não se diferenciava em nada, absolutamente em nada, dos demais mortais...
    É costume que «um grande homem» deve chegar tarde às reuniões, enquanto os assistentes esperam sua aparição com o coração ansioso; que, quando o grande homem vai aparecer, os membros da reunião avisem: Pss..., silêncio, já vem! Parecia-me que este cerimonial não era supérfluo, que se impunha, que inspirava respeito. Foi multo grande a minha decepção quando soube que Lênin havia chegado a reunião antes dos delegados e que, afastado a um canto, prosseguia, sem afetação alguma, a mais banal das conversações com os delegados mais simples da Conferência. Não nega que isto me pareceu então certa violação de algumas normas imprescindíveis.
    Só mais tarde compreendi que esta simplicidade e esta modéstia de Lênin, que este desejo de passar desapercebido, ou, em todo caso, de não chamar a atenção, de não salientar sua alta posição, eram traços que constituíam um dos lados mais fortes de Lênin, como novo chefe das novas massas, das massas simples e comuns das camadas mais baixas e profundas da Humanidade.
    A FORCA DA LÓGICA
    MAGNÍFICOS foram os discursos que Lênin pronunciou nesta Conferência: sobre os problemas do momento e sobre a questão agrária.
    Infelizmente, não foram conservados. Foram discursos inspirados, que acenderam clamoroso entusiasmo em toda a Conferência. A extraordinária força de convicção, a simplicidade e a clareza de argumentos, as frases breves e inteligíveis para todos, a falta de afetação, de gestos teatrais e de frases de efeito, ditas para produzir impressão; tudo isso distinguia favoravelmente os discursos de Lênin dos discursos dos oradores «parlamentares» comuns.
    Mas não foi este aspecto dos discursos de Lênin o que mais me cativou então, mas a força invencível de sua lógica, que um pouco secamente, mas em troca a fundo, se assenhoreia do auditório eletriza pouco a pouco e depois o cativa, como se diz, sem reservas. Recordo que muitos delegados diziam:
    «A lógica nos discursos de Lênin é como tentáculos poderosos que prendem a gente por todos os lados e dos quais não há meio de livrar-se: é preciso render-se ou sofrer um completo fracasso».
    Creio que esta particularidade dos discursos de Lênin é o aspecto mais forte de sua arte oratória.
    SEM CHORADEIRA
    ENCONTREI Lênin pela segunda vez em 1904, em Estocolmo, no Congresso do nosso Partido. Sabe-se que neste Congresso os bolcheviques ficaram em minoria e sofreram uma derrota. Pela primeira vez vi Lênin no papel de derrotado. Não se parecia em nada a esses chefes que, depois de uma derrota, choramingam e perdem o animo. Ao contrário, a derrota fez com que Lênin centuplicasse sua energia. Impulsionando seus partidários para novos combates, para a vitória futura. Falo da derrota de Lênin. Mas, qual era sua derrota? Era preciso ver os adversários de Lênin, os vencedores do Congresso de Estocolmo,Plekhanov, Axelrod, Mártov e os demais: não pareciam, nem de longe, verdadeiros vencedores, porque Lênin, com sua critica implacável do menchevismo, não lhes deixou, como se costuma dizer, nem um osso inteiro. Lembro-me de como nós, delegados bolcheviques, depois de nos termos reunidos num grupo compacto, observávamos Lênin e lhe pedíamos que nos aconselhasse. Nos discursos de alguns delegados se notava o cansaço, o desânimo. Lembro-me de como Lênin, contestando aqueles discursos, murmurou entre dentes e em tom mordaz:
    «Não choraminguem, camaradas, venceremos sem dúvida alguma porque temos razão».
    O ódio aos intelectuais chorões, a fé nas próprias forças, a fé na vitória, de tudo isto nos falava Lênin então. Percebia-se que a derrota dos bolcheviquesera passageira, que os bolcheviques haviam de vencer num futuro multo próximo.
    Não choramingar em caso de derrota». É precisamente este o aspecto particular da atividade de Lênin que permitiu agrupar em torno de si um exército dedicado à causa até o fim e cheio de fé em suas próprias forças.
    SEM PRESUNÇÃO
    NO CONGRESSO seguinte, em 1907, em Londres, foram os bolcheviques que obtiveram a vitória. Vi então Lênin pela primeira vez no papel de vencedor. Geralmente, a vitória embriaga a certa espécie de chefes, enche-os de vaidade, torna-os presunçosos. Na maioria de tais casos, põem-se a cantar vitória e a descansar sobre os louros. Mas Lênin não se parecia em nada a esta espécie de chefes. Ao contrário, era precisamente após a vitória que mantinha uma vigilância particular e permanecia em guarda. Lembra que Lênin repetia então com insistência aos delegados:
    «Primeiro, não deixar-se embriagar pela vitória; nem tão pouco envaidecer-se dela; segundo, consolidar o êxito obtido; terceiro, acabar com o inimigo, porque está somente vencido, mas ainda não aniquilado».
    Caçoava mordazmente dos delegados que afirmavam levianamente que «se havia acabado para sempre com os mencheviques ». Não lhe era difícil demonstrar que os mencheviques tinham ainda raízes no movimento operário e que devia-se combate-los com habilidade, evitando sobre-estimar as próprias forcas e, sobretudo, menosprezar as do inimigo.
    «Não envaidecer-se com a vitória». É este precisamente o traço particular do camarada Lênin que lhe permitia avaliar com lucidez as forças do inimigo e assegurar o Partido contra qualquer surpresa.
    FIDELIDADE AOS PRINCÍPIOS
    OS CHEFES de um partido não podem deixar de valorizar a opinião da maioria de seu partido. A maioria é uma força com a qual um chefe não pode deixar de contar. Lênin o compreendia tão bem como qualquer outro dirigente do Partido. Mas Lênin nunca foi prisioneiro da maioria, sobretudo quando essa maioria não se apoiava sobre uma base de princípios. Houve momentos na história de nosso Partido em que a opinião da maioria ou os interesses momentâneos do Partido chocavam-se com os interesses fundamentais do proletariado.
    Em tais casos, Lênin, sem vacilar, punha-se ao lado dos princípios contra a maioria do Partido. Mas ainda, não temia em casos semelhantes intervir literalmente só contra todos, julgando, como dizia amiúde, que «uma política de princípios é a única política certa».
    Os dois fatos seguintes são particularmente característicos a este respeito:
    PRIMEIRO FATO. Era durante o período de 1909 a 1911, quando o Partido, desfeito pela contra-revolução, estava em plena decomposição. Era o período em que ninguém tinha fé no Partido, em que não só os intelectuais, mas em parte os operários, desertavam em massa do Partido; período em que se repelia toda atividade clandestina, período do liquidacionismo e do desmoronamento. Não só os mencheviques, mas também os bolcheviques estavam divididos então numa série de frações e correntes distintas, desligadas em sua maioria do movimento operário. Sabe-se que foi precisamente naquele período que nasceu a idéia de liquidar inteiramente as atividades clandestinas do Partido, de organizar os operários num partido legal, liberal, stolypiniano. Lênin foi então o único que não se deixou ganhar pelo contágio e que manteve no alto a bandeira do Partido, reunindo, com uma paciência assombrosa, com uma tensão sem precedentes, as forças do Partido dispersas e desfeitas, combatendo no interior do movimento operário todas as tendências hostis ao Partido, defendendo o principio do Partido com um valor extraordinário e uma perseverança incrível.
    Sabe-se que, mais tarde, Lênin saiu vencedor daquela luta pela manutenção do principio do Partido.
    SEGUNDO FATO. Era no período de 1914 a 1917, em plena guerra imperialista, no momento em que todos os partidos social-democratas e socialistas, ou quase todos, levados pelo delírio patriótico geral, se haviam posto a serviço do imperialismo de seus países. Era o período em que a II Internacional inclinava suas bandeiras ante o Capital, em que inclusive homens como Plekhanov, Kautski, Guesde, etc., não resistiram à onda de chauvinismo; Lênin foi então o único homem, ou quase o único, que empreendeu decididamente a luta contra o social-chauvinismo e o social-pacifismo, pôs a nu a traição dosGuesde e dos Kautski e estigmatizou a indecisão dos «revolucionários» que nadavam entre duas águas. Lênin compreendia que era seguido por uma insignificante minoria, mas para ele aquilo não tinha uma importância decisiva, porque sabia que a única política certa, voltada para o futuro, era a do internacionalismo conseqüente; porque sabia que a política de princípios era a única política acertada.
    Sabe-se que naquela luta por uma nova Internacional, Lênin também saiu vencedor.
    «Uma política de princípios é a única política certa». Tal era precisamente a fórmula com a ajuda da qual Lênin tomava de assalto as novas posições «inexpugnáveis», ganhando para o marxismo revolucionário os melhores elementos do proletariado.
    A FÉ NAS MASSAS
    OS TEÓRICOS e os chefes de partidos que conhecem a história dos povos e que estudaram detalhadamente, do principio ao fim, a das revoluções, as vezes padecem de uma enfermidade indecorosa. Esta enfermidade é o temor às massas, a falta de fé no poder criador das massas, o que, as vezes, origina nos chefes certo aristocratismo em relação as massas pouco iniciadas na história das revoluções, mas destinadas a destruir o velho e construir o novo. O temor de que os elementos se desencadeiem, de que as massas «possam demolir demais», o desejo de representar o papel de amos, esforçando-se em instruir as massas por meio de livros, mas sem o desejo de instruir-se junto a estas massas, este é o futuro de tal aristocratismo.
    Lênin era completamente e oposto de semelhantes chefes. Não conheço nenhum revolucionário que tenha tido uma fé tão profunda como Lênin nas forças criadoras do proletariado e no acerto revolucionário de seu instinto de classe; não conheço nenhum revolucionário que tenha sabido como Lênin, flagelar tão implacavelmente os críticos ultra-pedantes, dos «caos da revolução» e da «bacanal dos atos espontâneos das massas». Lembro como, durante uma conversação, Lênin replicou sarcasticamente a um camarada que havia dito que «depois da revolução devia estabelecer-se uma ordem normal»:
    «É uma desgraça que os que desejam ser revolucionários esqueçam que a ordem mais normal na história é a da revolução».
    Dai seu desprezo para com todos os que se comportavam de uma maneira altiva com as massas e tentavam instruí-las por meio de livros. É por isto queLênin repetia incansavelmente que era preciso aprender com as massas, compreender o sentido de suas ações, estudar atentamente a experiência prática de sua luta.
    A fé nas forças criadoras das massas: tal é o aspecto particular da atividade de Lênin que lhe dava a possibilidade de compreender a significação do movimento espontâneo das massas e de orientá-lo pelo leito da revolução proletária.
    O GÊNIO DA REVOLUÇÃO
    Lênin havia nascido para a revolução. Foi realmente o gênio das explosões revolucionárias e o grande mestre da arte de dirigir as revoluções. Nunca se sentia tão a gosto, tão feliz como na época das comoções revolucionárias. Mas isto não quer dizer, de modo algum, que Lênin aprovava na mesma medida toda comoção revolucionária, nem tão pouco que se pronunciava sempre em qualquer circunstância a favor das explosões revolucionárias. De maneira alguma.
    Quer dizer somente que nunca a perspicácia genial de Lênin se manifestava com tanta plenitude, com tanta precisão, como nos momentos de explosões revolucionárias. Nos dias de viragens revolucionárias florescia literalmente, adquiria o dom da dupla visão, adivinhava com antecipação o movimento das classes e os ziguezagues prováveis da revolução como se os lesse na palma da mão. Com razão se dizia no Partido: «Ilitch sabe nadar nas ondas da revolução como o peixe na água».
    Daí a clareza «assombrosa» das palavras de ordem táticas de Lênin e a audácia «vertiginosa» de seus planos revolucionários.
    Dois fatos particularmente característicos e que destacam aquela peculiaridade de Lênin me vêm agora á memória.
    PRIMEIRO FATO. Era a véspera da Revolução de Outubro, quando milhões de operários, camponeses e soldados, impulsionados pela crise na retaguarda e na frente, exigiam a paz e a liberdade; quando os generais da burguesia preparavam a instauração de uma ditadura militar, com o objetivo de levar a guerra «até o fim»; quando toda a pretensa «opinião pública» e todos os pretensos «partidos socialistas» eram hostis aos bolcheviques e os qualificavam de «espiões: alemães»; quando Kerenski tentava afundar o Partido dos bolcheviques na ilegalidade e o havia conseguido em parte; quando os exércitos, ainda poderosos e disciplinados, da coalizão austro-alemã se erguiam ante os nossos exércitos cansados e em estado de decomposição, e os «socialistas» da Europa ocidental continuavam mantendo tranqüilamente o bloco com seus governos, com o objetivo de prosseguir «a guerra até à vitória completa»...
    O que significava desencadear uma insurreição naquele momento?
    Desencadear uma insurreição em tais condições era arriscar tudo. Mas Lênin não temia arriscá-lo, porque sabia e via com seu olhar clarividente que a insurreição era inevitável, que a insurreição venceria, que a insurreição na Rússia prepararia o fim da guerra imperialista, que a insurreição na Rússia poria de pé as massas esgotadas do Ocidente, que a insurreição na Rússia transformaria a guerra imperialista em guerra civil, que desta insurreição nasceria a República dos Soviets, que a República dos Soviets serviria de baluarte ao movimento revolucionário no mundo inteiro.
    Sabe-se que aquela previsão revolucionária de Lênin foi depois cumprida com uma precisão sem par.
    SEGUNDO FATO. Era nos primeiros dias que se seguiram à Revolução de Outubro, quando o Conselho de Comissários do Povo tentava obrigar o general rebelde Dukonin, generalíssimo dos exércitos russos, a suspender as hostilidades e a entabular negociações com os alemães visando um armistício. Recordo como Lênin, Krylenko (o futuro chefe supremo) e eu fomos ao Estado Maior Central de Petrogrado para nos pormos em contacto com Dukonin pelo cabo direto. Era um momento angustioso. Dukonin e o Grande Quartel General se haviam negado categoricamente a cumprir a ordem do Conselho de Comissários do Povo. Os quadros de comando do exército se encontravam inteiramente em mãos do Grande Quartel General. Quanto aos soldados ignorava-se o que diria aquele exército de 12 milhões de homens, submetido às chamadas organizações do exército, que eram hostis ao Poder dos Soviets. Em Petrogrado mesmo, como se sabe, se incubava então a insurreição dos alunos das escolas de guerra. Além disso, Kerenski avançava no trem de guerra sobre Petrogrado. Recordo que, depois de um momento de silencio junto ao aparelho, o rosto de Lênin se iluminou de não sei que lua extraordinária. Via-se que Lênin já havia tomado uma decisão:
    «Vamos à estação de rádio, disse Lênin, ela nos prestará um bom serviço; destituiremos, por ordem especial, o general Dukonin; em seu lugar nomearemos o camarada Krylenko chefe supremo e nos dirigiremos aos soldados por cima das cabeças do comando, exortando-os a isolar os generais, cessar as hostilidades, entrar em contacto com os soldados austro-alemães e tomar a causa da paz em suas próprias mãos».
    Era um «salto no desconhecido». Mas Lênin não tinha medo daquele «salto»; ao contrário, antecipava-se a ele, porque sabia que o exército queria a paz e que a conquistaria varrendo todos os obstáculos postos em seu caminho, porque sabia que aquele meio de estabelecer a paz teria repercussão sobre os soldados austro-alemães e reavivaria o desejo de paz em todas as frentes sem exceção.
    É sabido que, também aquela previsão revolucionária de Lênin foi cumprida mais tarde da maneira mais exata.
    Uma perspicácia genial, uma faculdade de compreensão, de adivinhar tais eram precisamente as qualidades próprias de Lênin que lhe permitiam elaborar uma estratégia certa e uma linha de conduta clara nas viragens do movimento revolucionário.

    «A vanguarda proletária está conquistada ideologicamente. Isto é o principal. Sem isso é impossível dar nem sequer o primeiro passo para a vitória. Mas dai à vitória ainda dista bastante. Apenas com a vanguarda, é impossível triunfar. Lançar somente a vanguarda à batalha decisiva, quando toda a classe, quando as grandes massas não adotaram ainda uma posição de apoio direto a esta vanguarda, ou ao menos de neutralidade benevolente em relação a ela, que a incapacitem por completo para defender o adversário, seria não somente uma estupidez mas ainda um crime. E para que na realidade toda a classe operária, as grandes massas dos trabalhadores e dos oprimidos pelo capital cheguem a ocupar semelhante posição, são insuficientes a propaganda e a agitação somente. Para isso é necessária a própria experiência política dessas massas.»V. I. Lênin